A Agência Angola Press (Angop) foi destacada hoje, sexta-feira, em Luanda, como uma das Escolas de Jornalismo angolano que marcou e continua a marcar os 39 anos de independência nacional, por formar profissionais qualificados que contribuíram para o desenvolvimento da Comunicação Social em Angola.
Por Orlando Castro
Odestaque foi feito hoje, pelo sociólogo Paulo de Carvalho, durante uma palestra sob o tema “39 Anos de Jornalismo Angolano”, promovida pelo Centro de Imprensa Aníbal de Melo (CIAM) e a União dos Jornalistas Angolanos (UJA), tendo reconhecido, igualmente, a nacionalização do Jornal de Angola, a Rádio Nacional de Angola (RNA), Televisão Pública de Angola (TPA) e do Jornal Desportivo Militar, em 1975, como períodos importantes que acompanharam a evolução sociopolítica do país.
Paulo de Carvalho apelou para que os profissionais da Comunicação Social devem exercer com isenção e maior responsabilidade o jornalismo, para contribuírem no reforço dos valores morais e culturais do país, bem como reportarem factos que não criam bajulação na opinião pública.
A ocasião juntou vários profissionais da classe jornalística, com destaque para a presença do Director Nacional de Informação do Ministério da Comunicação Social, Rui Vasco, secretário-geral da União dos Jornalistas Angolanos, Manuel Miguel de Carvalho, director do CIAM, António Mascarenhas, entre outras individualidades.
Paulo de Carvalho tem o direito, até porque está (quase) sempre alinhado com o regime, de dizer o que pensa mesmo não se sabendo se pensa no que diz.
Há pouco tempo defendeu, em Lisboa, que o facto de o activista dos direitos humanos Rafael Marques estar vivo é a prova de que Angola é uma democracia. Como algo de diferente se passou, entre outros, entre muitos outros, com Alves Kamulingue, Isaías Cassule e Manuel de Carvalho Hilberto Ganga, será caso para se dizer que Angola é o quê?
“Quando as pessoas – e alguns políticos, inclusivamente – dizem que em Angola vigora um sistema ditatorial, isso não é verdade”, sustentou o professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, numa conferência proferida, a convite do Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) de Lisboa, subordinada ao tema “Sistema democrático e direitos de cidadania em Angola”.
Para sustentar essa sua convicção, Paulo de Carvalho contou um episódio ocorrido há tempos na Fundação Mário Soares, em Lisboa, em que o jornalista e activista dos direitos humanos criticou o regime angolano, tendo-lhe o académico respondido: “Se em Angola houvesse um sistema ditatorial, tu, meu amigo Rafael Marques, não estarias aqui a falar para nós, estaríamos nós a chorar na tua campa”.
É um sociológico comentário baseado na convicção, genética ou adquirida, de que os angolanos – com excepção dos ligados ao regime – são todos matumbos. Além disso, Paulo de Carvalho mente quando diz que, se acaso Rafael Marques fosse assassinado, “estaríamos nós a chorar na tua campa”. Isto porque estariam, isso sim, a festejar e – como bons sipaios – a dar urras aos executores.
“Estava eu a fazer a minha tese de doutoramento quando recebi um convite da Fundação Mário Soares para ir a uma conferência (…) e o que se dizia por lá era que em Angola vigorava um sistema ditatorial – eram angolanos que estavam a dizê-lo – e eu, no final, pedi a palavra, Mário Soares não ma queria dar, mas eu insisti e disse: ‘Acho que não fica bem nós virmos para aqui aldrabar, dizer que Angola é uma coisa que não é'”, relatou.
Tal como os sipaios da época colonial, Paulo de Carvalho continua a sua dissertação encomiástica: “No final, recebi uns ‘recados’ das pessoas que lá estavam, não vou citar os nomes, dizendo ‘pronto, é verdade, mas isso não deve ser dito assim, aqui fora’, mas eu acho que temos de ser justos, correctos, e se queremos fazer política, como era o caso dessas pessoas [que estavam na conferência], tem de haver um mínimo de honestidade intelectual”.
Não sabemos se, no tal país de faz de conta onde Paulo de Carvalho encontra a democracia, honestidade significa decoro, modéstia, pudor, castidade, honradez e probidade. Provavelmente significa o oposto. Daí a referência a “um mínimo de honestidade intelectual”.
Segundo o sociólogo, Rafael Marques só tem visibilidade pública precisamente porque lhe foi permitido publicar os seus textos na imprensa angolana, em alguma – acrescente-se, o que prova que existe liberdade de expressão, que não há censura, e isso só reforça a sua tese de que Angola é uma democracia.
Paulo de Carvalho, para além de ter descoberto a Pedra Filosofal, a pólvora, a roda e a uma parte do milagre da multiplicação dos ovos de ouro presidenciais, também conseguiu descortinar aquilo que a esmagadora maioria dos angolanos não vê: liberdade de expressão. A não ser que viva noutro país, o sociólogo (e continuamos também ser saber se sociologia significa, ou não, estudo científico das sociedades humanas e dos factos sociais) sabe que o Povo até tem medo de pensar, pois sente na pele que até prova em contrário é culpado. Mas haverá, acreditamos, razões que a razão (não) desconhece para puxar dos seus galões de subserviência.
“Se Rafael Marques tivesse sido morto, era mais um, era um desconhecido. Mas foi o sistema angolano que, por ser democrático, o tornou conhecido”, insistiu, transformando o que poderia ser aceite como um, mais um, exemplo de subserviência num paradigmático caso de sabujice (adulação servil, capacho, sevandija). Não é inédito, mas é triste. Desde sempre os sipaios adularam os chefes do posto.
Numa singela homenagem a este sociólogo, sugerimos que passe a dizer que pelo facto de Kim Jong-un ter sido eleito com 100% dos votos, a Coreia do Norte é uma democracia.
Paulo de Carvalho também poderia ter justificado a existência de democracia no nosso país citando, por exemplo, um recente relatório do Departamento de Estado dos EUA em que, quanto aos direitos humanos, identifica três tipos de abusos principais: punição excessiva, degradante e cruel; limites à liberdade de reunião, associação, expressão e imprensa e corrupção e impunidade das autoridades.
Outros atropelos aos direitos humanos registados no relatório, que certamente é do conhecimento do sociólogo, incluem “privação de vida ilegal ou arbitrária, condições prisionais duras, detenção arbitrária, ineficácia judicial, desrespeito pelos direitos dos cidadãos à privacidade e desalojamentos forçados sem compensação, restrições às ONG, discriminação e violência contra mulheres, abuso de menores, tráfico de pessoas e trabalho forçado”.
A nível político, o departamento de Estados norte-americano afirma que o MPLA – partido no poder desde 1975 – “domina todas as instituições políticas” e que o poder político “está concentrado na Presidência e no Conselho de Ministros, através do qual o Presidente José Eduardo dos Santos exerce o poder executivo”, enquanto os partidos da oposição se dizem sujeitos a “perseguição, intimidação e ataques” por apoiantes do partido maioritário.
Que mais vital prova de democracia poderia querer Paulo de Carvalho?
Sobre a imprensa, tema caro a Paulo de Carvalho, o relatório afirma que a esmagadora maioria dos meios de comunicação são detidos por “grupos ou indivíduos ligados ao Governo”, enquanto os media privados “criticam o Executivo abertamente, mas por vezes sofrem repercussões”.
Quanto aos direitos individuais, “violência e discriminação contra mulheres, abuso de crianças, prostituição infantil, tráfico humano, e discriminação contra pessoas com deficiência” são problemas identificados pelo departamento de Estado norte-americano.